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O dia de S. Futebol

António PinheiroMorreu Maradona, morreu Reinaldo Teles. Curiosamente no mesmo dia. Duas personagens tão afastadas, mas ao mesmo tempo tão próximas, por uma realidade que já não volta.

A realidade de um Domingo, um domingo qualquer, algures nos anos 80…

Domingo outonal, frio, mas com sol no céu e calor na alma.

Dia de futebol. Dia de ir ver o Porto.

“Come tudo, se não, não vais!”

“Anda lá, arranja-te que eu arranjo-te a merenda.”

Saio de casa, de mão dada com o meu pai, para o ponto de encontro com a boleia. Botas, casaco, boné… e um saquinho com a merenda, para comer ao intervalo, ou até antes se me der a fome. Levo o meu porta-chaves com a cara do Gomes.

Estacionar é um martírio. (Há coisas que não mudam, ou mudam pouco).

Há arrumadores de carros e até de motorizadas (onde hoje desliza a VCI).

Os homens saem. As mulheres, a maior parte, ficam para pôr o croché em dia. Há as que vão ao jogo, mais “aferroadas” que os homens… e com língua mais destravada.

Vendem-se bandeiras. 

“Compre uma para o menino!”

Vendem-se assentos, porque a bancada é de cimento duro.

Vendem-se chapéus “à chinês” (não do chinês) feitos em papel. E até se vendem lápis para a escola. E, um dia, vim da bola com lápis de pau.

Azul e branco por todo o lado.

“Pião ou bancada?”

“Olha a Dragões!”

“Oh meu senhor, posso entrar consigo?”

“Dá cá a mão.”

(Anos mais tarde, numa altura em que já pagava meio bilhete e tinha vergonha de dar a mão ao meu pai, durante cinco minutos, tive um irmão). 

Lá dentro, o verde da relva parece ser envernizado. 

O Porto entra para aquecer. “Onde está o Gomes? Quero ver o Gomes!”

“É aquele de mão da anca.”

Acaba o aquecimento e o público aplaude o Otávio, que coloca a última bola no saco com um toque subtil.

Bandeiras no ar, fumo azul e branco, todos de pé que vem aí o Porto.

“Olha o bom café!”, apregoam homens de fato de ganga, carregando ao colo umas maquinetas que me fascinam.

“Fruta ou chocolate?”

A cada golo uma festa.

Regresso a casa, a ouvir os comentários na rádio e os resultados da jornada, da primeira à última divisão.

Cheio de fome, porque o saquinho da merenda foi todo, mas a tarde foi longa.

Pão com queijo, leite com Nesquick e daqui a pouco começa o Justiceiro.

P.S. – Iniciei este texto antes da morte de Vitor Oliveira. Outra grande perda. Outro homem do verdadeiro futebol.

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António Pinheiro
António Pinheiro
Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

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