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Este é o André Louzeiro, e este também

É incrível como o desporto e a corrida em particular altera a vida das pessoas. O André Louzeiro é mais um desses exemplos. Ele correu o Golden Trail Championship,  nos Açores no passado fim de semana e deixa-nos a crónica da prova e os seus sentimentos.

No calendário de provas de 2020 o objectivo e inscrição que tinha efectivado era no sentido de participar no Ultra Trail da Grande Rota dos Baleeiros, 110 km e 6000 D+, nos Açores a 8 e 9 de Maio.

Esse era o grande objectivo de 2020… De Janeiro até essa data tinha previsto o Trail da Lousa (feito em Janeiro), o Ultra Proença Cross Trail  (feito em Fevereiro) e o Ultra Sharish Reguengos (cancelado em Março) e Abril seria um mês mais calmo, já a acumular reservas para o grande objetivo do ano.

André LouzeiroEm razão da crise sanitária que se instalou, tudo foi adiado/cancelado.

Com alojamento, voos e aluguer de viatura reservados, surgiu entretanto a possibilidade de poder tentar a inscrição no Golden Trail Championship, entretanto agendado para este último fim de semana, organizado pelo Azores Trail Run em parceria com a Salomon.

Acreditando na ínfima possibilidade de poder ter acesso à inscrição nesta prova, mantive-me focado no treino, na nutrição (iniciada em Novembro de 2019) e em toda a preparação inerente.

Foram meses estranhos, sem uma luz ao fundo do túnel, a treinar no vazio, não obstante aproveitei para desfrutar e descobrir alguns percursos próximos de casa.

Eis que a inscrição foi confirmada, mas a incerteza foi permanente tendo em conta as restrições de circulação que poderiam advir da crise sanitária.

Bem, mas a coisa lá aconteceu!

Foi uma experiência brutal, poder competir no mesmo percurso da elite mundial da modalidade, uma aprendizagem única e preciosa!

Foi também a primeira vez que fiz uma prova neste formato, por etapas. Tendo já feito provas de 3 dígitos esta era diferente devido à recuperação entre etapas e a interrogação que se deita connosco, sobre qual o estado físico e anímico do dia seguinte.

28/10 – Prólogo

Com as novas regras sanitárias em vigor, o prólogo serviu para determinar a distribuição dos atletas por vagas de partida com horários diferentes.

Existiriam 4 vagas de partida.

A primeira dominada pelas elites, a segunda dedicada exclusivamente género feminino. Em função do tempo do prólogo assim foram distribuídos os atletas. No meu caso, apurei-me para a terceira vaga, ou seja, bem no centro do pelotão da prova. A prólogo foi muito engraçado, cerca de 3 km com variabilidade de pisos e segmentos de subida, sprint e descida.  Aliás, estes segmentos estiveram presentes em todas as etapas, com respetivo prémio para o atleta mais rápido em cada um deles.

Etapa 1
Salão – Capelinhos
24 km
1500 D+

Que inicio…

Tempestade tropical a marcar o inicio desta aventura!  Em 3 horas de prova, penso que não choveu durante 5 minutos…

Percurso espetacular, variado e duro devido ao autêntico lamaçal com que fomos presenteados!

Foi pena a nebulosidade intensa não permitir desfrutar das paisagens nas melhores condições.  Senti-me muito bem nesta etapa, solto e com a adrenalina toda de iniciar esta competição.

Etapa 2
Varadouro – Cedros
24,5 km
1450 D+

A tempestade tropical que se abateu sobre o arquipélago teima em marcar presença dificultando bastante as condições de progressão.

Lama até aos joelhos, chuva e ventos fortes, aliadas à dureza natural do percurso aumentam o nível de dificuldade.

Mas é assim que se evolui, saindo da zona de conforto, competindo e aprendendo com os melhores!

Esta etapa foi muito rica do ponto de vista dos elementos naturais. Partiu numa praia, subimos à caldeira de um vulcão, descemos pela selva (que espetáculo) e terminou numa aldeia piscatória.

Fantástico! Foi para mim a etapa mais difícil, a subida à caldeira foi terrível, feita sobre um autêntico lamaçal provocado pela forte precipitação e agravado pela passagem dos atletas das 2 primeiras vagas. Aqui a parte anímica começou a jogar, pois atingimos o equador da prova, e não sabia como iria estar fisicamente no dia seguinte.

Etapa 3
Capelinhos – Caldeira – Capelinhos
31 km com 2400 D+

A etapa foi alterada relativamente ao que estava inicialmente previsto e que seria a subida e descida ao Pico…

Na impossibilidade de realizar a etapa 3 no Pico, por razões de segurança, a organização brindou-nos com um percurso bem interessante com partida nos Capelinhos, subida à Caldeira pela face noroeste da ilha e respectiva descida pela face sudoeste.

O vento manteve-se muito forte, no entanto a precipitação não foi tão intensa como nas duas etapas anteriores, o que melhorou as condições de progressão no terreno.

Pena que a nebulosidade se mantenha persistente acima da cota dos 300 metros, não possibilitando que se desfrute das paisagens de uma perspetiva privilegiada…

Talvez tenha sido a etapa onde desfrutei mais.

Passados 2 km, pequenas mazelas que tinha adquirido nos dias anteriores, desapareceram e comecei a gerir o esforço, no fundo aquilo que faço melhor, dado a minha natureza de ultra distâncias. O clima também ajudou, apesar do vento soprar mais forte, choveu menos, tornando os diferentes tipos de piso mais corriveis.

Etapa 4
30 km
1750 D+

Faial costa a costa, Capelinhos – Ribeirinha

Esta última etapa teve de ser ligeiramente alterada, mais uma vez devido às previsões meteorológicas adversas.

A alteração foi comunicada já na manhã da prova e consistiu em evitar a subida ao cume da caldeira, mesmo no centro da ilha. Assim, passaríamos ao redor, numa altitude mais baixa, mas metendo mais 4 km.

Quem corre ultras, perceberá o que direi de seguida. Este é o nosso dia, o último dia, da gestão da dor muscular, da nutrição e da mente.

É o prazer da dor!

Espetacular etapa, com condições atmosféricas bem adversas e com a organização a castigar a malta com uma ponta final numa selva escorregadia, sinuosa e perigosa, quando já tínhamos 100km nas pernas…

Os números finais foram os seguintes:

111,66 km

6675 D +

15h28m

Com o devido acompanhamento técnico e científico ao nível do treino e da nutrição, é incrível a capacidade que o nosso corpo tem para se regenerar e ter rendimento.

Esta prova servirá de experiência a vários níveis para futuros caminhos e metas que pretendo atingir como Ultratrailer!

Autor: André Louzeiro

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Vitor Dias
Vitor Dias
Autor e administrador deste site. Corredor desde 2007, completou 65 maratonas em 18 países. Cronista em Jornal Público e autor da rubrica Correr Por Prazer em Porto Canal. Site Oficial: www.vitordias.pt

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