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Correr para trás

Começas a treinar timidamente. Vais ganhando confiança e coragem de te inscreveres na primeira prova de 10km. Chegas ao fim e começas a sonhar com a Meia-Maratona e, pelo meio, experimentas uma prova de 15km. Completas a primeira “meia” e, a partir daqui, só sonhas com os míticos 42.195m. Até que um dia começas a pensar em ultra distâncias e, se fores mesmo muito aventureiro, em provas de 3 dígitos.

É assim que muitos dos corredores de pelotão vão evoluindo na corrida, procurando sempre mais um novo desafio.

Foi assim comigo até ao tal ponto dos três dígitos, proeza que tentei e falhei por duas vezes, com alguma frustração, mas sem arrependimentos ou mágoas profundas. Se não dá, não dá.

Mas seremos obrigados a correr sempre mais? Haverá alguma vergonha em dizer “não… agora vou fazer distâncias curtas!”

Aqui há tempos, a minha amiga e colega de equipa Paula Lage foi criticada nas redes sociais por, após ter vencido em 2018 o Ultra Trail da Póvoa de Varzim na distância de 27 km, em 2019 estar a participar no mesmo evento mas na distância de 16 km. No meu caso, após ter feito a “ultra” em 2018, optei também pela distância mais curta em 2019.

Para a autora do comentário a evolução de um atleta faz-se correndo mais quilómetros e usou mesmo a expressão “andar para trás” pelo simples facto da Paula ter optado pelo “mini-trail”.

Dirá o bom senso que essa é uma visão muito turva daquilo que é a corrida. Por essa lógica, nunca poderíamos correr uma distância inferior à anterior realizada, o que levaria a uma situação absurda.

Gosto muito das distâncias longas. Gosto de começar de madrugada e terminar de noite. Gosto das horas intermináveis na natureza. Gosto de atravessar aldeias, percorrer trilhos naturais e ancestrais. Gosto do chegar e do partir de cada ponto de abastecimento. Gosto daquela sensação única de chegar ao fim, da superação, da realização pessoal.

Mas também gosto de ir almoçar a casa, de não ficar todo “empenado” e poder andar normalmente no dia seguinte. Gosto de correr leve, sem nutrição adicional, sem material obrigatório, sem bastões nas mãos e mochilas nas costas. Gosto de poder arriscar na velocidade sem pensar que tenho mais uma infinidade de quilómetros até à meta.

Gosto muito das distâncias longas, mas gosto de estar preparado para elas. Continuo a sonhar com os 3 dígitos…

Experimentei a versão de 12 km do Trail das Nozes em Outubro passado e fiquei “viciado” nesta forma diferente de correr. É assim que irei ao Paleozóico deste ano.

Com pouco tempo para treinar, é simplesmente uma loucura repetir as aventuras que vivi num passado recente.

Não me sinto diminuído, ou a “andar para trás”. Sinto-me bem e a correr com prazer.

Sinto saudades das ultras, é verdade. Mas só lá voltarei quando tiver que ser.

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António Pinheiro
António Pinheiro
Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

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