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Entrevista com José Capela

Entrevista com José CapelaO nosso entrevistado de hoje tem 50 anos, é contabilista e no ano de 2012 correu durante 350 dias, percorrendo mais de 5.000 kms. É conhecido no pelotão nacional pelas suas corridas solidárias e tem nessa área vários projetos para 2013, onde também você pode participar. Venha conhecê-lo.

Como e quando começaste a correr?

Comecei a correr em Setembro de 2001. As férias desse ano tinham acabado, sentia-me pesado, cansado e sem energia. Quase a entrar nos 40 anos, achei que precisava dar um novo rumo à minha vida. Uma das decisões de mudança foi começar a fazer exercício físico. Como os ginásios não faziam o meu género, resolvi calçar as sapatilhas e frequentar o Parque de Lazer das Taipas para umas corridinhas. Obviamente, nos primeiros tempos era tudo muito devagarinho e apenas corria dia sim, dia não. Passados uns meses, estava eu no sofá a ver televisão e vi a anunciar a Meia-Maratona de Lisboa – “Vem atravessar a ponte 25 de Abril a correr…” – naquele momento, decidi inscrever-me e no mês que faltava para o dia da prova, 24 de Março de 2002, treinei com mais afinco e estreando-me em corridas na ‘meia’ mais emblemática do país e com um tempo nada mau para debutante: 1h34m! A partir daí comecei a investigar na internet e em revistas da especialidade, métodos de treino e dicas importantes sobre corrida. Assim, fui aumentando a frequência e a carga dos treinos e os resultados nas diversas provas em que participava foram melhorando, o motivação e o gosto pela corrida cresceram e nunca mais parei!

Em 2012 correste mais de 5.000 kms durante 350 dias. Como é possível manter a motivação para tal feito?

É verdade! Em 2012 corri 5.057 kms, em 350 dias! Foi o ano que contabilizei mais kms, no entanto nos anos anteriores já rondava os 4.500 kms. Foi também o ano em que iniciei as minhas aventuras de corrida no trail e em ultamaratonas, naturalmente o número de kms aumentou. Corro quase todos os dias de manhã cedo, dependendo da duração e dos kms dos treinos, entre as 6h45 e as 7h15 começo a treinar. Os dias de descanso que faço são normalmente na semana após provas mais longas, para recuperação e regeneração muscular. Quanto à motivação? Não preciso muito de me motivar para correr! Depois a corrida ao ar livre oferece-me essa coisa extraordinária – a interacção com a natureza e o tempo em todas as suas vertentes. Tenho o privilégio de correr nas margens do rio Ave, de assistir muitas vezes ao nascer do dia, com a lua a retirar-se calmamente para dar lugar ao sol, a passarada a esvoaçar e a cantar anunciando um novo dia; outras vezes o parque está coberto com um manto de geada, as temperaturas negativas, apenas são cortadas pelo bafo quente da minha respiração; tem ainda outras ocasiões em que chove com tanta intensidade que corro na margem do rio como se estivesse a correr por cima dele. Adoro correr e sinto um prazer enorme com a prática da corrida: Solta-me o corpo, liberta-me a mente!

Mas muitas das vezes não te apetece ficar na cama?

Não, nunca me apetece ficar na cama! Aliás há dois anos tive uma pequena lesão que me impediu de correr durante 15 dias e acordava à hora do costume, ficando a dar voltas na cama, a stressar por não poder ir correr. Digamos, que a corrida faz parte do meu despertar, é a minha forma de me espreguiçar!

Preferes trail ou estrada? Porquê?

Neste momento prefiro o trail à estrada! Estou a dar os primeiros passos no mundo do trail e estou cada vez mais apaixonado por este tipo de corrida. No trail o contacto com a natureza é muito grande, corre-se em locais com paisagens deslumbrantes e os participantes são muito solidários uns com os outros. Digamos que o ambiente do trail é colorido e quente, enquanto na estrada há uma certa frieza, talvez proveniente da monotonia do alcatrão preto! No entanto ainda faço algumas corridas de estrada, não podendo faltar à Maratona do Porto, dado que orgulhosamente faço parte da sua história, contando com todas as edições no meu curriculum de maratonista! Mas convém referir que o que eu gosto mesmo é de correr!

O que mais te agrada e desagrada nas provas?

O ambiente de festa e a competição sadia são ingredientes que que me agradam nas provas. Concluir uma corrida, cortar a meta, é sempre um momento mágico e uma satisfação pessoal que não é fácil traduzir em palavras. Tenho um imenso respeito pelos organizadores das provas e houve um salto muito qualitativo desde que fiz a minha primeira prova em 2002 até hoje, no entanto, às vezes ainda vemos algumas organizações falharem na segurança e nos abastecimentos, colocando em risco a integridade física dos atletas. Também não gosto mesmo nada dos chicos-espertos que trocam dorsais, chips e atalham deliberadamente caminho.

Como vês o aparecimento de inúmeros free-runnings durante o decorrer de 2012 e o sucesso de todos eles? Será uma forma de fintar a crise e participar nestes eventos que são gratuitos, ou será mais pelo convívio e carácter temático de quase todos eles?

O aparecimento dos free-runnings é algo que vejo com muito bons olhos! É uma forma mais descontraída de correr e poder apreciar com mais detalhe os locais onde corremos. Além de serem óptimos treinos para trocar impressões e vivências entre atletas, servem ainda para melhorar os nossos conhecimentos. Entre os promotores e os participantes há sempre alguém que narra um pouco da história, nos ensina um bocadinho de geografia, nos alerta para determinado tipo de flora e fauna. Assim, de uma forma gratuita: corremos, convivemos e enriquecemo-nos culturalmente! Dizem-nos muitas vezes que em tempo de crise é preciso usar a criatividade, os free-runnings são uma excelente resposta!

 

Fala-nos da tua aventura nos caminhos de Santiago e de como ela ajudou as crianças da instituição que escolhes-te?

Em 2011 começou a fervilhar na minha cabeça a ideia de fazer os Caminhos de Santiago. Convenci dois amigos a alinhar na aventura e depois de algum trabalho de análise do caminho que passa na minha terra vindo de Guimarães, lançamo-nos nessa empreitada de ir das Caldas das Taipas a Santiago de Compostela, pelo percurso do caminho português, passando por Braga, Ponte de Lima, Valença, Tui, Pontevedra e Padrón. Inicialmente, tínhamos previsto 5 dias para cobrir os 210 kms até ao destino, mas demoramos apenas 4! Quase logo após ter terminado, fiquei com a certeza que iria regressar! Para além do desafio físico e da questão espiritual, senti vontade de dar o meu contributo para uma sociedade mais activa e solidária. Assim, em Agosto passado, meti novamente as pernas ao caminho, vesti a camisola da Casa da Criança de Guimarães, instituição que acolhe crianças vítimas de abandono, maus-tratos e negligência por parte dos pais e lancei a campanha de angariação de fundos – correr para crianças, sob o lema 1€= 1Km. O saldo da campanha deixou-me bastante satisfeito, pois além de ter angariado 1.410 €, dei a conhecer o excelente trabalho desenvolvido por esta instituição em prol das crianças. Desta vez, fui sozinho de Guimarães até Santiago de Compostela, por Chaves, seguindo depois pelo Caminho Sanabrés, através de Laza, Orense e Silleda, totalizando 329,9 Kms em 6 dias. Quem leu, ou ainda leia a crónica de viagem publicada neste site, facilmente perceberá quão gratificante foi esta aventura, que jamais esquecerei e que marcará para sempre a minha vida.

E o teu free running da campanha fraldinhas?

O free running das fraldinhas a avaliar pelas palavras dos participantes foi um êxito! Apesar do mau tempo que se fez sentir nessa manhã a adesão foi muito interessante. Aliás, ficou desde logo prometido que para o ano se iria realizar novamente, numa versão melhorada e alargada a mais ruas e monumentos da cidade de Guimarães. Foram arrecadados 408 pacotes de fraldas, que são suficientes para pelo menos meio ano os meninos da Casa da Criança de Guimarães terem o rabinho limpo e seco.

Pareces ter sempre novos desafios que te motivem. Tens algo de novo planeado para 2013 que possas divulgar?

Em 2013 vou continuar a dar prioridade ao trail running. Assim, vou experimentar a distância de 100 kms no UTSM e se não houver lesões e as coisas correrem dentro da normalidade, tenho programado também fazer as ultras da serra da Freita, da serra d’Arga e o UTAX, sem esquecer a 10ª. Edição da Maratona do Porto. Aproveitando esta entrevista, gostaria de anunciar que está em fase de desenvolvimento, a criação de um movimento a nível nacional designado: CORRER PARA CRIANÇAS, onde gostaria de contar com vários atletas, em que cada um aceitasse vestir a camisola de uma instituição infantil, com o intuito de angariar fundos para a mesma. Assim, se este movimento gerar dinâmica que desejo, voltarei aos Caminhos de Santiago, desta vez iniciando em Salamanca, passando por Astorga através do caminho da Via da Prata. O desafio é fazer os 465,8 kms em 6 dias! O objectivo deste projecto é divulgar as instituições que se dedicam à nobre causa de ajudar crianças, que não tiveram a felicidade de crescer num ambiente familiar e num lar com condições dignas. Quem se quiser juntar a esta causa deverá pelo menos garantir 465,8 € para a instituição que representa e obviamente divulgar a trabalho a que  mesma se dedica. A realização deste projecto está agendada para última semana de Agosto ou a primeira de Setembro deste ano, dependendo da disponibilidade dos interessados. Gostaria ainda de referir que está em fase de construção um site para dar o conhecer o movimento e os detalhes da viagem, esperando que esteja concluído no final de Fevereiro. Em conversa com amigos das corridas sobre este projecto, pelo menos dois já se mostraram interessados, ficaria muito satisfeito se conseguisse juntar um grupo de 10 atletas que embarcassem nesta aventura!

A teu ver, qual melhor forma motivarmos os nossos amigos e familiares sedentários?

A corrida faz bem ao corpo e à mente, mas é preciso fazê-la por gosto e não como obrigação para perder uns quilos ou baixar o colesterol. No entanto quem vai começar a correr precisa de alguma persistência e não desistir à primeira dor muscular. O prazer da corrida só se adquire com alguns meses de prática, logo os ganhos evidentes só se verificam a médio prazo. Para que este processo seja mais fácil, o melhor é correr acompanhado e ao ar livre, assim além de poder desfrutar de uma boa conversa, desfruta também do contacto com a natureza. Experimentem e se conseguirem ultrapassar a difícil fase inicial, deixarão de achar que os tipos que correm todos os dias são loucos ou viciados e irão entender que a corrida é muito mais que um desporto – é um estilo de vida!

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Vitor Dias
Vitor Dias
Autor e administrador deste site. Corredor desde 2007, completou 65 maratonas em 18 países. Cronista em Jornal Público e autor da rubrica Correr Por Prazer em Porto Canal. Site Oficial: www.vitordias.pt

3 COMENTÁRIOS

  1. Grande atleta, grande desportista, grande amigo e companheiro. Mas, principalmente, um grande HOMEM… e um excelente exemplo para todos nós!!!

  2. Este meu amigo capela pelo qual tenho maior admiraçao é mesmo assim , nao tem vaidade é um homem de principios e como nao gosta de se gabar digo eu em bom nome da verdade, para alem de tudo que disse ele ja fez muito pelo atletismo na vila das TAIPAS

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