Entrevista com Paulo Silva

Entrevista com Paulo Silva

Tal como havíamos anunciado, o especialista em calçado desportivo, Paulo Silva, concedeu-nos uma entrevista onde nos esclarece algumas dúvidas relativas a calçado de corrida. Questões como a durabilidade, acomodação e palmilhas são destacadas nesta entrevista. Leia e comente.

Que conselhos dá a quem se está a iniciar nas corridas e que queira comprar sapatos confortáveis, que evitem lesões e que não requeira grande dispêndio de dinheiro?

Para quem se quiser iniciar o melhor conselho é comprar um par de sapatos para iniciantes (poderá ser mesmo um modelo mais económico, muitas vezes as marcas próprias das cadeias de material desportivo são boas opções), mas tendo em conta o mais importante; a acomodação, ou seja o pé e o sapato devem casar o melhor possível, os pés em corrida tendem a expandir e os sapatos devem ser comprados com isso em mente, o sapato só tem uma forma e tamanho, enquanto o pé possui muitas formas e tamanhos, por ser dinâmico, os sapatos devem ser comprados em função desse comportamento.

Depois, se o iniciante começar a correr mais regularmente, então está na hora de comprar um par de sapatos mais adequados às necessidades específicas do comportamento dos seus pés e pernas em corrida, aí deve ser feita uma análise á corrida e escolhido um modelo de acordo.

Para quem começa e que pretende correr 2 a 3 vezes por semana, por que preço poderá encontrar uns sapatos razoáveis?

O preço não deve ser o factor de decisão mais importante, será razoável poupar dinheiro no equipamento e depois mais tarde gastar em tratamentos por lesão? Não me parece.
Nos dias que correm um par de sapatos razoável anda pelos 100€, mas claro que existem sempre as épocas de saldos, onde o preço pode cair até -50%.

Quais as características mais importantes de uns sapatos de corrida? Amortecimento, acomodação ou outra?

O pé deve poder funcionar mesmo dentro dos sapatos tal como foi projectado ao longo de milhares de anos para funcionar, assim o mais importante será sempre a acomodação, depois existem dois factores que devem ser ajustados às necessidades específicas do corredor, o interessante é encontrar o equilíbrio amortecimento versus estabilidade adequados à mecânica individual do corredor, nenhum é mais importante que o outro, existem em seguida mais dois que estão intimamente ligados aos anteriores; flexibilidade e peso: a equação completa será:

Exemplo Características Calçado 1
Exemplo Características Calçado 1

Como podemos ver pelo gráfico as características inatas dos diferentes sapatos são antagónicas, por exemplo, não é possível (com os materiais e tecnologias actuais) fabricar sapatos da classe performance que ofereçam estabilidade, basta pensar que para tal aumentar-se-ia o peso e diminuir-se-ia a flexibilidade do sapato.

Quais as principais lesões associadas á compra de um par de sapatilhas não adequadas ao tipo de pé?

A grande maioria das lesões associadas à compra de calçado mal acomodado são as provocadas pela fricção; como as bolhas, unhas negras, calos e o famoso “escaldar” ou “assar” dos pés

Quais os locais onde um corredor se pode aconselhar acerca do seu tipo de pé e que sapatos escolher?

Em teoria em lojas especializadas de corrida (se é que tal existe em Portugal), podem sempre recorrer a um podologista com conhecimentos em biomecânica para ser feito um diagnóstico antes da compra.

Poucos atletas cumprem a quilometragem média aconselhada para umas sapatilhas (700 Km) dado se tornar bastante caro. É grave esta situação? A compra de umas palmilhas adequadas poderá prolongar a vida útil de umas sapatilhas.

Não é um assunto simples, mas simplificando com uma analogia; a maioria dos condutores não troca de pneus nas quilometragens indicadas, não é grave mas não estão nas condições ideais, se entretanto trocarem de amortecedores podem melhorar o comportamento geral do carro, mas não resolvem completamente o problema, com esta analogia creio que expliquei o essencial, é preciso ter em conta que estes dados são puramente médias e que cada caso é um caso, a durabilidade de um par de sapatos varia de acordo com muitos factores, incluindo a constituição física dos corredores, podendo inclusive durar entre mais ou menos 100 Km que a média.

Para quando algo ou alguém que consiga avaliar o estado das nossas sapatilhas, e a partir daí, dizer-nos que essas sapatilhas têm de ser substituídas, ou se preferir, quantos quilómetros deveremos correr com os mesmos sapatos?
Tal como acontece nos pneus dos nossos carros, onde existe uma norma básica para sabermos que temos de mudar de pneus, deveria existir uma norma similar, para sabermos também quando deveremos mudar de sapatilhas de treino e também de competição, e nesta área, é bom não esquecer a especialidade dos sapatos de bicos, saber também da sua longevidade.

Pergunta formulada por Jorge Teixeira

O estado da sola intermédia do calçado pode em teoria ser avaliado, utilizando um aparelho que testa a dureza da sola intermédia, um Durometro, (escala shore) acontece no entanto que o próprio processo de fabrico das espumas do calçado não é 100% preciso uma vez que industrialmente são aceitáveis nos padrões de qualidade diferenças até 5 shore.
Assim a melhor alternativa é a rotação entre o calçado, nada melhor do que o próprio corredor por comparação avaliar o comportamento dos seus sapatos por comparação entre diferentes modelos.
Devemos acima de tudo ter em conta que existirem muitas condicionantes que influenciam o tempo de vida útil de um par de sapatos (tais como o piso em que se corre, o ciclo mecânico e o peso do corredor, além do tipo de materiais que constituem os sapatos, só para nomear alguns), mas podemos colocar uma barreira de durabilidade num par de sapatos:
Considera-se que um par de sapatos desportivos possui um tempo de vida útil de entre 500 a 800 quilómetros (150 a duzentas horas de utilização efectiva), estes valores são obviamente médias, considera-se que a partir destas distâncias as espumas da sola intermédia já perderam cerca de 30% da sua capacidade de amortecimentos original, existem corredores que consideram distâncias maiores como 1000 quilómetros ou mesmo 1200, no entanto são distâncias demasiado longas, as espumas já perderam demasiadas qualidades com essas distâncias.
Um estudo Americano chegou à conclusão que com a distância de 400 milhas = 643.7376 Quilómetros, a pressão plantar aumenta em cerca de 64% (o que coincide com os cerca de 30% de perda de eficácia).
Proporcionalmente ao sapato de treino, um de competição por possuir menos espuma e materiais terá uma vida útil mais curta; cerca de 400 Km, quanto ao calçado de bicos, devido ao facto de praticamente não possuir espumas, durará, tal como o calçado normal “até romper”.

As palmilhas das sapatilhas são normalmente de má qualidade e de pouca durabilidade. Deve-se mudar as palmilhas. O que escolher?

Sim a grande maioria das palmilhas são fabricadas em EVA uma espuma que se deteriora muito rapidamente, é recomendável a sua substituição por espumas de melhor qualidade como por exemplo feitas em Pu (poliuretano), mais durável e resistente à compactação tipo a marca Spenco Ironman (as amarelas), não devemos utilizar materiais tipo silicone para actividades de alto impacto como a corrida, reservando-as para caminhada.

Quantos pares de sapatilhas deve ter um atleta que treina para uma maratona e que corre 5 a 6 vezes por semana? É importante alternar as sapatilhas?

O ideal seria um par para cada dia de treino da semana, mas não existem fórmulas mágicas, sabemos que a rotação entre sapatos melhora a sua durabilidade.
Se comprarmos sapatos com um mes de diferença entre eles e os usarmos de forma alternada, conseguimos que dois (ou mais) pares durem mais do que se fossem utilizados de forma continua, não só porque assim o sapato comprime a sola intermédia com menos rapidez (uma vez que o período de repouso permite uma melhor recuperação das espumas da sola intermédia e palmilha), mas também porque o corpo não se habitua à falta de capacidade de amortecimento de impactos (porque possui outro par para comparação).
Também é verdade que a rotação evita lesões de repetição ou esforço, todos os modelos de sapatos possuem pontos fortes e fracos, a rotação evita que o corpo esteja constantemente a compensar esses pontos mesmo que inconscientemente, reduzindo a possibilidade de lesões de esforço.

Deve ter-se sapatilhas para treinos e outras para provas?

Não é obrigatório se formos um corredor de pelotão, a única vantagem dos sapatos de competição é o peso reduzido, menos peso significa menos materiais resultando em menor amortecimento, protecção e estabilidade.
Sabemos que por cada menos 100g de peso ganhamos até 2 minutos numa maratona, mas será que vale a pena o risco se o nosso único objectivo real for acabar a prova?

Mesmo com sapatilhas adequadas, muitos são os atletas que têm unhas negras. Como evitá-las?

As unhas negras são sinónimo de sapatos mal acomodados, a unha negra é um hematoma causado por trauma, ou seja os sapatos são demasiado curtos e os dedos estão a embater no sapato quando o pé expande, solução; sapatos maiores (ou mais largos)

É uma boa opção acertar no modelo e tamanho adequado e a partir daí comprar sempre o mesmo ou compensa apostar nos últimos modelos?

As variações nos modelos muitas vezes são estéticas, tal como nos carros, varia o design da chaparia mas o motor e a electrónica são os mesmos, por princípio é sempre melhor continuar a utilizar o modelo com o qual nos sentimos bem, mas não existem vacas sagradas se encontramos modelos com características semelhantes (reconheço que nem sempre é fácil saber o que procurar) podemos também utilizá-los.
Agora o tamanho deve sempre ser experimentado, é comum o mesmo modelo de sapatos variar de tamanho por ser de lotes de fabrico diferentes.

Há alguma marca que se tenha destacado nos últimos anos, no que respeita a estudos efectuados com resultados práticos para o desenvolvimento de novos modelos?

Eu costumo dizer que os mesmos problemas resultam em soluções semelhantes não me parece que alguma marca se destaque mais do que outra, infelizmente a grande maioria do calçado que sai para o mercado baseia-se mais em estudos de marketing do que realmente em estudos biomecânicos, não gosto de destacar nenhuma marca porque todas possuem calçado com características semelhantes para cada publico alvo específico.
A indústria do calçado desportivo é uma indústria de materiais, neste momento está-se a investigar na procura de materiais e formas de fabricar calçado mais sustentável para o meio ambiente.

Referências: www.calcadodesportivo.com (site da autoria do nosso entrevistado)

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Vitor Dias
Vitor Dias
Autor e administrador deste site. Corredor desde 2007, completou 65 maratonas em 18 países. Cronista em Jornal Público e autor da rubrica Correr Por Prazer em Porto Canal. Site Oficial: www.vitordias.pt

2 COMENTÁRIOS

  1. Tenho uma questão a colocar ao Paulo, ou a alguém que me saiba ajudar:
    Tenho umas sapatilhas 2 nºs acima do meu e ultimamente, sofro de cãimbras intensas durante a corrida, quer em RL ou RC, o que me obriga mesmo a parar.

  2. Boa tarde

    Já fiz cinco maratonas e nunca tive este problema de aquecimento no pé que ao correr cerca de 10 km aparece e torna-se desconfortável. Falaram em usar silicone ….é aconselhavel algum em especial.
    Tenho 60 anos e sempre fiz desporto os tenos que uso actualmente é Asics NIMBUS 13

    Obrigado

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