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E os últimos classificados não são gente?

Está ainda enraizado na mente dos portugueses e não só, que a única finalidade existente nas provas de corrida é vencer ou ganhar algo.

Tal como já aqui escrevi no artigo “em que lugar ficas-te?“, existe ainda a ideia por parte do público não corredor, que a única finalidade de uma corrida é ganhar algo de material. Já pensamos por exemplo que nas provas de fundo e meio fundo, onde a lista de participantes já anda na casa dos milhares, que apenas uma dezena de atletas (se tanto) pensam ser possível ganhar a referida prova?

E nós atletas de pelotão, não mereceríamos mais destaque do que aquele que nos é dado?

Vou dar-vos um exemplo muito concreto daquilo que eu acho respeito pelo atleta de pelotão:

O Jornal francês L’ Equipe, editou no dia seguinte à Maratona de Paris, um suplemento especial de 43 páginas, dedicado exclusivamente a esta prova. Nele constam as classificações de todos os atletas, fotos aleatórias dos atletas ditos não consagrados e para mim o mais especial de tudo, a primeira página.

Na mesma consta a foto da partida, com os Campos Elísios repletos de corredores, com os seguintes dizeres “30.332 À L’ARRIVÉ” seguindo-se os nomes do primeiro (Vicent Kipruto) e da última classificada (Takako Kokubum) e os respectivos tempos de cada um deles.

O facto de fazer referência ao último classificado (que termou com 6h45m), não passou despercebido a quase ninguém a quem eu mostrei o jornal, facto que demonstra que de facto, isto não é um costume no nosso país.

Mas esta falta de sensibilidade por quem não corre para ganhar (mas que paga boa parte das custas das provas), não fica por aqui e o mais grave é que vem das próprias organizações da provas. A título de exemplo, vejamos as maratonas portuguesas. Qualquer atleta que não chegue à meta até à entrega dos prémios, pode contar com um silêncio quase sepulcral no momento em que atingiu o seu objectivo e porventura o seu maior feito desportivo. Duvido que alguma vez o “speaker” destas provas esteja de serviço para além de 2 horas após a chegada do primeiro classificado. E os restantes atletas que chegarão duas horas depois? Só são importantes até ao momento em que se inscrevem?

Outra situação que me é contada por atletas que vêm na cauda do pelotão, são as “bocas” do público do género “desiste” ou mesmo “vai para casa lavar a loiça”. Como se isto não bastasse, há ainda o incentivo à desistência por parte dos bombeiros que normalmente seguem atrás dos últimos classificado da provas.

Esta mentalidade mudará? Tem vindo a mudar ao longo dos últimos anos? Deixo aqui o convite a que comentem esta mentalidade portuguesa e não só e que deixem aqui os vossos relatos com situações idênticas às acima descritas.

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Vitor Dias
Vitor Dias
Autor e administrador deste site. Corredor desde 2007, completou 65 maratonas em 18 países. Cronista em Jornal Público e autor da rubrica Correr Por Prazer em Porto Canal. Site Oficial: www.vitordias.pt

7 COMENTÁRIOS

  1. A mentalidade a que se referem relativamente ao “último” é, infelizmente, verdadeira mas, como em tudo, também tem excepções. A minha mulher, (61 anos e cinco cirugias – incluido 3 ao coração e uma ao peito), e eu fazemos caminhadas matinais regulares de ca. 90 minutos. Ela gosta de se inscrever em eventos simples. Há cerca de 6 meses, em Loures, aconteceram umas provas de marcha e ela inscreveu-se sem se aperceber que era “marcha atlética”. Quando a prova começou as atletas, entre as quais se destacava uma Olímpica, começaram a “VOAR” e a minha pobre Isabel ficou de imediato na cauda. Quando ela, por fim, cortou a meta, EM ÚLTIMO LUGAR, naturalmente, os atletas masculinos da prova seguinte, que esperavam, enchendo a linha da Meta para inicio da sua prova, abriram alas para a minha Isabelinha e aplaudiram-na muito. Fiquei feliz e comovido por aquele ÚLTIMO LUGAR!
    Bem Hajam.
    Jaime Gomes

  2. Olá Jaime

    Antes de mais, obrigado pela visita ao site e pelo seu testemunho.

    De facto o último lugar é compensador para quem o obtém. Só o facto de não se desistir, trará por certo, uma história oculta. Por vezes trás mesmo compensação material. Tenho uma colega de equipa (que não revelo o nome, pois sei que por aqui anda de vez em quando e certamente se pronunciará) que há cerca de 2 ou 3 anos foi a última classificada numa prova de estrada, apesar do assédio a que foi sujeita para que desistisse.

    Não o fez, e no final, foi bafejada pela sorte. O carro que hoje conduz (bem bonito por sinal) saiu-lhe em sorteio nessa prova.

    Cumprimentos

  3. nao desistir da prova e fundamental,o lugar que se chega ao fim, ja e de um verdadeiro campeao.um abraço lima

  4. Olá!
    Esta mentalidade não é exclusivo Nacional!
    Temos uma certa tendência em fazer comentários desfavoráveis do nosso próprio umbigo em comparação com realidades externas que tomamos como dignas ou como exemplo!
    E são de facto dignas de exemplo, mas só o são porque as achámos positivas no espaço e no tempo em que fizemos parte da acção!
    Não se pense que esta falta de interesse e de respeito vem dos adeptos do atletismo ou do público em geral.
    Nenhum adepto de nenhuma modalidade (com excepção do futebol!!!) trata mal os seus ídolos ou “imprime” algum tipo de violência no local de realização dos eventos!
    Os Media são os grandes responsáveis pelo desinteresse e desinformação geral do público em relação a tantas e tantas modalidades (outra vez o futebol como excepção!), que pura e simplesmente são privadas e desprovidas de direitos de notícia!
    A isto, junta-se a ignorância social e a falta de sensibilidade, como diz o Vitor, de jornalistas e curiosos que usam de amputação escrita e verbal do alto do seu repugnante teclado ou boca (!), para tratar desdenhosamente aqueles que têm a coragem de ir à luta sem pejo, pudor ou a vergonha com que estas criaturas se alimentam!
    Estou agora a dar os primeiros passos no atletismo em forma de prazer, mas já passei por muitas modalidades desportivas, desde a competição nacional à internacional!
    Já representei a “Bandeira” e já fui anónimo e sempre me lembro desta “guerra” existir!
    Os que engrossam as listas de inscritos das modalidades, infelizmente são esquecidos e injustiçados!
    Não sou adepto do “sempre foi e há-de ser”, e por isso, muitas vezes boicotei em forma de não participação, diversas provas por achar que as mesmas não eram merecedoras da minha presença!
    Se a Maratona de Paris tivesse 56 atletas inscritos, acham que Televisão, Jornais, Revistas, Internet e o próprio município retiravam os abastados dividendos de publicidade e projecção mundial que o evento tem?
    Em conclusão, é impossível agradar a Gregos e Troianos e cada um tem a sua motivação ou opinião e para dar um exemplo que pode haver os mais diversos pontos de vista sobre um mesmo assunto, escolho a questão que o Vitor relata do facto do Jornal ter na primeira página o primeiro e a última classificada com os respectivos tempos!
    Tenho a certeza que há alguém que pensa que é: Puro Chauvinismo Francês! 😉

  5. Vitor,

    Aquilo que referes explica-se de forma simples:

    – Quem tem cultura desportiva, sabendo o que significa e o valor que tem na vida de uma pessoa a PRÁTICA de desporto percebe que um atleta que se dedica a correr uma maratona é uma pessoa merecedora do maior respeito, consideração e apoio.

    – Quem não tem cultura desportiva, não tendo a menor ideia do que significa PRATICAR desporto, não percebe nem consegue compreender nada do que se passa à volta de uma maratona nem dos indivíduos que se dedicam a corrê-las.

    Para mim tudo se resume a isto: à existência ou à falta de cultura desportiva.

    abraço
    MPaiva

  6. Concordo inteiramente com o MPaiva, a questão é mesmo essa: existe uma relação directa entre o comportamento do público em países com cultura desportiva e sem.
    Nunca corri uma maratona em Portugal, não tenho experiência individual para contar, mas os efeitos dessa falta de cultura notam-se igualmente noutras modalidades, em que o público age movido apenas por considerações clubísticas ou nacionalistas, estando-se nas tintas para o acontecimento desportivo propriamente dito.
    Fernando

  7. Eu tenho 48 anos e quase 30 de pratica de corrida.
    Já andei lá mais para a frente nos pelotões.
    Já fiz um 5º lugar nas 12 horas de Vila Real de Santo António em 1987.
    Já vali 3 horas e 10 a maratona.
    Agora, mesmo nas caudas dos pelotões, continuo a correr e a festejar as chegadas as metas com se tivesse ganho um prova pois são sempre vitorias pessoais.
    Continuo sempre a ouvir “bocas” mas tento não ligar.
    As pessoas não sabem do esforço e da dedicação, e as vezes, até do passado daquele atleta estropiado que corre na cauda do pelotão.
    Eu costumo dizer que mais vale ser o último dos presentes que o primeiro dos ausentes.
    O meu lema é: O PRIMEIRO ENTRE OS ÚLTIMOS !…

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