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A minha Maratona de Paris

A minha Maratona de Paris

Descrever o que se passa numa maratona dita grande, como é o caso da Maratona de Paris, não se pode dizer que seja tarefa difícil, dado que são muitos os dados, as descrições e os momentos. O que não é fácil, é passar a palavras as sensações de quem participou neste momento mágico que é o correr no meio de mais de 30.000 atletas, percorrendo um pouco mais de 42 Kms pelas ruas desta encantadora cidade.

A melhor maneira de se conhecer uma cidade é percorre-la a pé e fazê-lo por onde não se pode andar no dia a dia, ou seja, onde andam os automóveis e com a vantagem de usufruirmos do silêncio e dos efeitos nefastos à nossa respiração que estes nos provocam.

Estavam assim criadas as condições para um dia memorável, caso as condições atmosféricas assim o permitissem. E assim foi. Paris foi brindada com um dia de sol, ocasionalmente interrompido por algumas nuvens e com uma temperatura agradável, salvo algum frio inicial, facilmente colmatado com agasalhos que todos os atletas já habituados a estas andanças se fizeram acompanhar.

A PREPARAÇÃO

Dizem os maratonistas veteranos nestas andanças, que apesar de numa maratona se sofrer muito, o que custa não é o que se passa no dia da prova. Isso é o culminar, é a festa. O que custa é prepará-la. É “dar no osso” durante várias semanas (14 no meu caso) e aguentar (no caso das maratonas de primavera) quase todo o inverno sob o frio e chuva, de manhã ou à noite, roubando tempo à família e ao lazer, caso não se considere a corrida como um lazer. Para mim é, mas confesso que retiro tempo a outros prazeres da vida, facto que dificilmente será entendido com o prazer de cortar uma meta após completados os míticos 42.195m sob o olhar de milhares de pessoas, que nos vêem como guerreiros que acabaram de chegar de uma cruzada onde a vitória acabou de ser alcançada, ali sob a linha de chegada.

O QUE ANTECEDE UMA GRANDE PROVA ALÉM FRONTEIRAS

Após a preparação de 14 semanas, eis que chega o dia da partida, facto bem diferente da minha primeira maratona onde a deslocação a pé para a linha de chegada teria sido possível em apenas poucos minutos. Aqui há toda uma logística a ter em conta, onde nada pode falhar, como por exemplo o pormenor do equipamento separado da restante bagagem, de forma a acompanhar-me como bagagem de mão, não fosse o extravio da mesma deitar a perder tanto esforço e tantos sonhos. Aqui não facilitei. Podia-se perder tudo o resto, mas o que me iria acompanhar durante a prova estaria sempre junto a mim. Se na primeira experiência nesta distância toda a motivação estava concentrada no facto de ser a primeira vez, aqui eu tinha uma motivação extra, a presença da minha família, que me veio apoiar e aproveitamos assim uns dias para conhecer melhor a cidade luz. Claro que para além da motivação este facto trás outras preocupações tanto em termos de segurança, como em termos logísticos, facto que acabou por ser benéfico pois centrei as minhas atenções nestes pormenores, deixando-me mais descontraído, tendo começado a pensar a sério na prova, apenas na véspera aquando da visita à Expo-Maratona.

Com a companhia da família, na véspera e ante-véspera, menosprezei a prova. Pensei várias vezes que era preferível abdicar de fazer uma boa marca e fazer com que a minha mulher e os meus dois filhos usufruíssem desde a primeira hora esta deslocação, há tantos meses esperada, principalmente pelos meus filhos que era a primeira vez que visitavam Paris. Na sexta e sábado, não me poupei nada. Visitas e passeios em cima das pernas foi coisa que não faltou e apesar de as mesmas pedirem descanso para os dias seguintes, o prazer que aquilo me estava a dar, fez-me pensar que mais valia usufruir de tudo aquilo e esquecer a prova, não fosse a mesma correr mal e depois a família ter apanhado “seca” nos dias anteriores e eu vir embora desolado por ter tido uma má prestação e a família não ter gostado de lá estar. O lema foi aproveitar desde a primeira hora e fazer com que nas próximas vezes a família sentisse a mesma vontade de me acompanhar tal como aconteceu desta vez. Iria eu pagar a factura no domingo de manhã? Eu não estava preocupado com isso. O dia o diria.

O ACESSO À ZONA DA PROVA

Levantar-me às 6 da manhã e percorrer algumas ruas de Paris sozinho, apanhar o metro e sair numa estação de forma a me encontrar com os meus colegas de equipa, o Geraldino e o Jorge Oliveira, era algo de novo, era quase aventureiro, tal era o ambiente aquela hora, longe de ser afável e encorajador. No entanto, e apesar de eu estar ainda a 5 km da linha de partida e de a maratona não passar naquela zona da cidade, já se viam sinais da mesma, com atletas a dirigem-se para a estação de metro. Estar equipado numa estação de metro, não dá para passar despercebido. As pessoas olham-nos, sabendo quem somos, somos os que se vão aventurar pelas ruas desta cidade, com o objectivo único de chegar ao fim. Um homem com cerca de 30 anos dirigiu-se a mim na estação de Pigalle. Tinha um ar simpático, não me assustou. Bateu-me no ombro e disse-me apenas “Courage”. Eu não o conhecia nem nunca mais o iria ver. Imaginei-o como tendo sido um anjo da guarda que me apareceu ali no meio da madrugada. Eu bem que iria precisar dessa coragem.

Minutos depois já éramos três os atletas do Porto Runners, pois já estava com o Geraldino e o Jorge que cujo cancelamento do voo no dia anterior, quase punha em causa a sua participação. Felizmente tudo tinha passado e lá estávamos nós a caminho do Arco do Triunfo, já acompanhado por centenas de atletas que quase enchiam as carruagens do metro parisiense.

Algum frio à chegada não era incomodativo, chegamos aos Campos Elísios e as boas instalações do McDonald’s aconchegavam os atletas mais madrugadores. Era um bom sítio, pois era em frente à nossa partida, a cor amarela. Esperamos aí pelo nosso colega João Fortuna, queríamos dar-lhe os parabéns antes da prova. Ele completava 45 anos neste dia. Começou a ficar tarde e fomos à Av. Foch entregar as mochilas com os nossos pertences que levantaríamos após a prova. Grande confusão. Outra coisa não seria de esperar, milhares de pessoas a tentar fazer o mesmo. Felizmente estava tudo muito bem organizado com um posto por cada 1000 atletas, ou seja mais de 30. Saímos os 3 dali já com o tempo a causar algum stress, faltavam cerca de 10 minutos para o tiro de partida, com atletas a avançarem por cima dos jardins e sebes e tudo o quanto era árvores a servir de “toilets” para os mais apertados, nós incluídos.

Não foi difícil entrar para a nossa zona, onde caberiam cerca de 10.000 corredores. Faltava pouco mais de 5 minutos para partirmos e começam os atletas a livrarem-se das T-shirts, casacos, plásticos que os protegiam do frio. Era um espectáculo curioso de ver. Estes objectos a voavam em direcção aos passeios dos campos elísios. Mesmo assim, era impressionante a quantidade deste material que ficou no chão e que cuidadosamente tivemos que ultrapassar, aos quais se juntavam, sacos de comida, sumos e até cobertores. E nós por poucos passamos porque desde o tiro de partida até ao pórtico, percorremos a passo apenas cerca de 1 minuto e meio. Eu faço ideia o que iria lá para trás.

À FRENTE DO ARCO E ATRÁS DE UM SONHO

E ali estava um dos momentos mais esperados desde há alguns meses a esta parte, o tiro de partida e a música a entrar nas nossos ouvidos e corações: Chariots of Fire de Jean Michele Jarre. Só consigo encontrar uma palavra para descrever este momento: Arrepiante.

Eu sabia do perigo que havia em cair mas não resisti em olhar para trás, ao fundo o Arco do Triunfo que eu esperava ver pouco mais de 3 horas depois e 31.000 à frente do arco e atrás de um sonho que era terminar a 33ª. Maratona de Paris.

Cumprimentamo-nos os três desejando mutuamente boa sorte para mais esta aventura. O Jorge arrancou a todo o gás, contornando uma série de gente. Eu e o Geraldino seguimos mais devagar mas a bom ritmo, a minha preocupação era não o perder. O que eu menos queria era correr sozinho durante mais de 3 horas. Se o perdesse teria que arranjar outra companhia, o que não seria tarefa difícil, mas com o Geraldino eu sabia que estava bem entregue e apesar de saber que ele estava em muito melhor forma que eu, a minha estratégia para esta prova era conseguir acompanhá-lo pelo maior tempo possível.

KM 1 a 5

O primeiro grande monumento estava logo ali ao Km 1, o obelisco de Concorde, seguindo-se a passagem por mais 4 km em linha recta e plana, ladeada de hotéis, com muitos turistas a apoiar nas janelas e as primeiras bandas a tocar (seriam quase 90 durante toda a prova), deu para ouvir que era um pasodoble espanhol, com muitos olés pelo meio. Aqui ainda dava para apreciar a música. Á nossa direita vimos a Câmara de Paris e a catedral de Notre-Dame mais ao fundo. Mas o momento mais marcante deste percurso inicial foi um grupo de cerca de 10 pessoas vestidas de amarelo a empurrar um carro com um deficiente motor, que me pareceu também deficiente com paralisia cerebral. Lembrei-me por quem eu estava também a correr, “correr por quem não o pode fazer”. Mas estes eram muito mais corajosos do que eu, traziam para a festa a pessoa envolvida, revezando-se para o transportar até ao final, quase 40 km depois. Apeteceu-me chorar, ultrapassamo-los, bati-lhes palmas e disse-lhes um “Bravo”, ao que repetidamente diziam “merci”, pois muitos faziam o que eu fiz.

KM 5 a 10

Tínhamos acabo de passar o primeiro abastecimento líquido, muito bem sinalizado 200 metros antes, à direita e á esquerda, como aliás em todos eles. Eu sabia que tínhamos que ter muito cuidado. O abastecimento era bastante extenso e de fácil acesso, mas a confusão é sempre alguma, pois há sempre garrafas pelo chão, que se podem tornar perigosas. Eu abasteci-me, sem problemas e sem perder o Geraldino, preferiria não beber do que o perder. Já depois de Porte de Vincennes, encontramos o Mesquita e o Thierry, dois colegas de clube, iam com um andamento inferior ao nosso. O Mesquita queixava-se de uma dor, o que impediu que nos acompanhassem. Ficaram os dois. Eu e o Geraldino continuamos a cerca de 4,30/Km o que nos faria passar aos 10 Km com 46m30s. Era um tempo bom de mais para mim. Não me alegrava com o mesmo pois sabia que mais tarde ou mais cedo iria “pagar a factura”.

KM 10 a 20

Depois do abastecimento sólido dos 10 KM (onde torci um pé numa garrafa, mas que não viria a ser nada), entramos no Bois de Vincennes, um parque que tem tanto de verde como de bonito. Encontramos aqui o Jorge Oliveira, ao qual informei que estávamos com uma média boa e que iríamos tentar manter os 4m30s/Km. Ele confirmou pelo relógio e acompanhou-nos a partir daí, numa pequena descida que nos ajudaria a descansar. A tendência nas descidas é acelerar, mas eu evitava de o fazer apesar de o Geraldino alargar sempre a passada nestas alturas. Ele diz que é do peso  Agora éramos três o que sempre dá para animar. Um outro momento de ânimo foi o avistar da primeira bandeira portuguesa. Gritei alto: “Portugal” e ouvi um estranho apoio em francês. Estranhei mas não me importei. O Geraldino tinha-me fornecido há uns dias atrás literatura pormenorizada acerca do percurso da prova e aos 17 Km, avisavam que havia um ponto de dificuldade. Ele relembrou-me isso mesmo nesta altura e chegamos á conclusão que a dificuldade era uma descida, uma pequena armadilha para os mais inexperientes, que cheios de vontade poderiam “embandeirar em arco” e gastar aqui energias que viriam a necessitar mais á frente. Estávamos perto da meia maratona e junto do “pacemaker” (atleta que leva a sinalização do tempo com que irá terminar) das 3h15m. Combinei com o Geraldino em acompanha-lo até á meia maratona, pois seria um excelente ponto de referência para posteriormente nos localizarmos aquando do visionamento do vídeo da prova. O andamento era já algo rápido para mim e talvez pela mesma razão perdemos o Jorge que se deixou ficar. A sua experiência neste tipo de provas seria valioso e se ali resolveu abrandar, é porque tinha mesmo que o fazer. No abastecimento sólido dos 20 Km, deixamos o “pacemaker” fugir um pouco, dado que ele não se abastece, pois tem quem o faça por ele. Uns Kms atrás, chegamos à conclusão que os “pacemaker’s” não são sempre os mesmos, eles revezam-se, razão pela qual uns kms atrás íamos entre os 2 deles (que distavam cerca de 50 metros entre um e outro) e um pouco mais à frente, eles já eram 3, sem nunca nenhum deles nos passar e o de trás já lá não estava. Enfim, logísticas que nada interessam a quem segue a sua aventura. E eram tantos os aventureiros…

KM 20 a 30

Ainda o pórtico da meia maratona estava bem longe e já os gritos de incentivo do público se ouviam. Eram milhares de pessoas, anónimos e muitos familiares e amigos com cartazes personalizados em diferentes línguas. Desde “Allez Papa” ao simples “GO” e muitos com os nomes dos atletas que ali iriam passar. O facto de em alguns dos locais haver muita gente, tem muito a ver com o facto de a organização disponibilizar um mapa do percurso e as estações de metro que as servem. Aqui na meia maratona, para além de ser uma distância importante, pois estamos a meio da prova, era servida por 2 estações de metro, razão pela qual o público se aglomerava de tal maneira que antes de chegar ao local, pensei que iríamos ter dificuldade em passar. Até ao Km 30, apanhamos os célebres túneis, 4 ao todo com o primeiro com mais de 1 Km de extensão a custar a passar. Eram gritos, eram vivas, mas era acima de tudo um ar rarefeito e uma visibilidade algo reduzida com a qual estranhei e até me assustei. As luzes do túnel eram amarelas e projectadas das paredes. A certa altura fiquei com a sensação de estar a ver a preto e branco. Confesso que me assustei um pouco, eu sabia que os esforços por vezes causam deste tipo de coisas. Puxei parte da camisola até escassos centímetros dos meus olhos e lá estava o verde florescente das cores da Porto Runners e a bandeira portuguesa com as suas cores bem garridas. Tudo estava bem, excepção feita ao GPS do relógio, que como bem sabíamos, dentro dos túneis não fornecem informação nenhuma. A entrada e saída dos túneis tinham gente e mais gente. Era agradável descer os mesmos com as pessoas cá em cima sempre a gritar. Lembrei-me das imagens da última etapa da Volta a França em bicicleta que percorre estes túneis. Das próximas vezes que eu as visse, iria recordar estes momentos com toda a certeza.
Nesta longas distâncias divido as provas em dois ou três pontos essenciais, de forma a mentalizar-me e a cumprir os mesmos um a um. Temos que saber comandar a nossa mente. Como dizia o nosso colega de clube, o Armindo Gonçalves, uns dias antes quando treinávamos para esta prova, “podemos estar bem fisicamente, mas o que manda é o tejadilho”. Nesta altura o Armindo já estava bem mais à frente. Nunca o vimos durante a prova. Viria a acabar com um tempo extraordinário e recorde pessoal de 03h00m01s.

O meu primeiro objectivo estipulado para esta maratona estava aqui à saída do 4º. Túnel. Lá estava ela, a Torre Eiffel, símbolo maior da cidade e também o objectivo de turistas do mundo inteiro. Disse ao Geraldino: “lá está ela” apontado para a nossa esquerda. Ele não respondeu, raramente responde, eu costumo dizer-lhe para não responder mas que não se livrará de me ouvir. Normalmente falo muito durante as provas. Sei que não devo, mas distrai-me. Quem leu até aqui esta crónica, deve de estar a pensar que o facto de eu me lembrar destes pormenores, que estaria a rolar fresco como uma alface. Engano puro. Eu estava cansadíssimo nesta altura da prova. Em termos respiratórios eu estava muito bem, mas as dores nas pernas eram de tal forma que não estava a ver como é que eu ainda iria correr durante 12 Kms. O Geraldino impunha um ritmo vivo ao qual eu tinha dificuldade em acompanhar. Ele puxava e olhava para trás para ver se eu o seguia. Ele estava em grande forma e o facto de ter feito a maratona de Roma há três semanas atrás em nada o fazia abrandar. Eu sabia que mais tarde ou mais cedo o iria deixar fugir. Nem sequer era justo, nem eu me sentiria bem se ele deixasse de fazer um bom tempo só porque ia ali comigo. As dores na parte superiores das minhas pernas (coxas) eram tantas, que por várias vezes pensei em parar. Só não o fiz por medo de não conseguir depois retomar a corrida. Nos abastecimentos e nas esponjas eu molhava as pernas como que a anestesia-las. Até resultava mas era por pouco tempo.

KM 30 a 40

Entramos nos últimos 10 Km e em mais um belo Parque, o Bois de Boulogne. Não o achei tão bonito como o primeiro, talvez pelo cansaço, talvez por ter algumas subidas, não sei bem, sei que me deu mais prazer passar no primeiro. Ao longo de toda a prova foram dezenas as bandas que ao longo do percurso animavam os corredores e o público em seu redor. Desde Jazz a Rap, ritmos africanos a Rock, havia de tudo. Eram cerca de 90 bandas segundo diziam os dados da organização. Nesta fase da prova, não apreciei as bandas, sentimo-nos extenuados e queremos é que a prova acabe depressa. Para que ela acabe depressa, é conveniente andarmos mais rápido, mas nesta fase acontece precisamente o contrário. Muitos dizem e com razão que a maratona começa aqui nos últimos 10 Kms. Nesta altura vem tudo à nossa cabeça. Uma dessas coisas é como é que nos fomos meter nisto e que tão cedo não nos meteremos noutra. Claro que isto é temporário (no dia seguinte a esta prova, inscrevi-me na maratona de Berlim). A única coisa que eu agora queria era mesmo chegar ao fim e abraçar a minha mulher e os meus filhos que se encontravam junto ao Arco do Triunfo à minha espera. Isso sim seria um triunfo junto do monumento com o mesmo nome que comemora muitas vitórias para a nação francesa. Se eu aguentasse mais cerca de 45 minutos sem parar e ao ritmo que ia, poderia terminar esta prova com um tempo a rondar as 3h20m, o que seria muito bom para as minhas aspirações, bom não, excelente.

Apesar de não ter perdido nenhum abastecimento, resolvi por volta dos 32 Km, ingerir o gel energético que levava comigo. A 8 Km do final, não consegui mais acompanhar o Geraldino. Ele estava mesmo em grande forma e não sei se fui eu que abrandei de foi ele que deu mais um dos seus típicos esticões. O que eu sei é que perdi-o completamente. Dei-me por contente por ter aguentado até ali com ele. Fiz um esforço muito grande para o conseguir. Estava-lhe grato por isso e ao mesmo tempo contente por saber que ele ia a andar bem e que iria fazer uma grande prova. Meti na cabeça que agora estava por minha conta. Havia bastante animação por esta zona, não só pela música das bandas como pelos vários “stands” das várias maratonas de vários pontos do globo que aproveitam para divulgar as suas provas. Algumas até davam comida e bebida. Eu nestas não comia, não arriscava. Não como nem bebo o que não conheço. Nesta fase da prova há altos e baixos com muita frequência. Cansados estamos sempre e cada vez mais, mas a nossa cabeça é que não pára de pensar coisas e ora nos empurra as pernas para a frente, ora nos manda parar repetidamente. Mas parar era coisa que eu não queria. Pensei que seria um tremendo erro deitar por terra todo o esforço das últimas 14 semanas de treino, à chuva, ao frio e ao vento, de manhã ou à noite, roubando tempo à cama ou à família e se já tinha corrida durante 3 horas seguidas, porque havia de parar agora? Felizmente temos destes momentos lucidez que não sabemos de onde vêm. Eu julguei ser do gel energético que obviamente não me tirou as horríveis dores nas pernas, mas que talvez estivesse a fazer efeito a nível psicológico.

Tal como disse atrás, há muitos altos e baixos nesta altura, ninguém pode dizer que vai chegar ao fim e muito menos que tempo irá fazer. Ao Km 38, apanhei o Geraldino. Mais uma vez não percebi se ele abrandou ou se eu acelerei, mas pela análise que fiz posteriormente da prova (baseada em GPS), eu terei acelerado um bocado nesta altura. Ele ia cansado, mas nunca o aparentava. Seguimos juntos talvez mais 500 metros e ele disse-me que iria abrandar. Eu não estava menos cansado que ele mas não me estava a sentir mal naquela altura. Era uma ligeira subida, continuei na minha passada e de facto o Geraldino não me acompanhou. Faltavam 3 Km de grande sacrifício. Comecei a fazer contas de cabeça e vi que talvez desse para chegar ao final com 3h20m. Isto se chegasse ao fim, aqui ainda tudo pode acontecer. A prova disso é a impressionante quantidade de pessoas que eu passava, uns parados outros a andar, outros a contorcer-se com dores devido a cãibras. Eu tinha uma invulgar dor na parte anterior da coxa, que não seria mais que cansaço. Tinha medo que dali viesse cãibras. Poderia até ter acelerado um pouco, mas tinha medo. Não era outra coisa, era mesmo medo. Preferia assegurar agora a chegada ao final e um tempo que seria muito bom para mim.

KM 41 e 42, 195m

Abdiquei do abastecimento dos 40 Kms. Nesta altura a respiração já era ofegante e iria ter dificuldade em beber. Preferi evitar a confusão, seguir em frente e ganhar alguns segundos. Nos últimos quilómetros só se houve o público a incitar coragem e a dizer quanto falta para o fim. Toda a gente sabe que não vão ali campeões, mas gente que quer chegar ao fim, seja mais depressa ou mais devagar, o que importava era que a Av. Foch aparecesse o mais depressa possível. Tinha visto a prova do ano anterior e reconheci este último trajecto, com duas rotundas com o piso empedrado e com muita gente empunhando cartazes e gritando repetidamente o nosso nome. “Allez Vítor” e “Allez Portugal”, ouvi muitas vezes, fruto do nome no dorsal e dos símbolos nacionais que acertadamente resolvi envergar. Curiosamente estes dois últimos quilómetros pareceram-me passar mais depressa (penso que também andei mais rápido). Vi a placa dos 42 Kms e fiquei impressionado com a quantidade de pessoas que param a 195 metros da meta. As cãibras não perdoam. Se eu pudesse pegava naquela gente às costas e levava-os até á linha de chegada que eu já avistava. Olhei para o cronómetro oficial que estava sobre a meta e vi que conseguiria ainda chegar antes das 3h20m, o que posteriormente daria ainda menos de um minuto de tempo oficial. Fiz um sprint final de cerca de 100 metros e levantei os dois braços, com as mãos esticadas e os dois indicadores a apontar o céu. Esta já cá estava e com o tempo oficial de 03h18m27s.

AQUI OS VIP’S SOMOS NÓS

Apesar de aqui se processar tudo em grande, os atletas de pelotão são tratados como as verdadeiras vedetas do evento. A simpatia dos milhares de voluntários está á vista de todos. Os que entregam as medalhas, fazem-no como se cada um de nós fosse o primeiro a cortar a linha de chegada. Pormenores como o do retirar do chip da sapatilha não são deixados ao acaso. Numa altura em que nos apetece fazer tudo menos dobrar as costas para o retirar, lá estão umas filas de voluntários com um suporte (tipo engraxador) a retirar-nos o chip. No meu caso, em que o chip estava partido, tive que o prender no atacador. O voluntário retirou-me o atacador, tirou o chip e voltou a colocar o atacador tal como estava. Noutra altura acharia isto um exagero e pediria para não o fazer, mas naquela altura de tanto cansaço, sabe muito bem. Depois de receber a medalha, de receber um impermeável e de retirar o chip, são muitas as filas de caixas de fruta, frutos secos, bebidas isotónicas e tudo o que nesta altura se pode desejar. Não faltava nada e sem confusões. É certo que faltava passar por ali mais de 27.000 atletas mas pelo que eu via, iriam ser bem atendidos também. A organização para o reencontro com as famílias não foi deixada ao acaso. No final de Av. Foch, existiam letras bem visíveis, onde na letra combinada (P de Portugal) lá estavam os nossos familiares mortos por nos ver (e nós a eles).

NÚMEROS, QUILOS E LITROS IMPRESSIONANTES

Só para terem uma ideia das dimensões desta prova, aqui ficam algumas estatísticas oficiais da prova de 2008 (dados do site oficial da maratona):
– 28.261 corredores (31.373 em 2009)
– 94 países representados (dados de 2009)
– 200.000 espectadores (250.000 em 2009)
– 2 .700 voluntários
– 9 pontos de abastecimento (KM 5, 10, 15, 20, 25, 30, 35, 40 e à chegada)
Nos abastecimentos foram fornecidos:
– 17.000 kg de bananas no percurso e 30.000 bananas à chegada
– 17.000 kg de laranjas no percurso e 30.000 laranjas à chegada
– 436.800 garrafas de água
– 2.000 kg de frutos secos
– 2.000 kg de cubos de açúcar
– 30.000 esponjas distribuídas
– 70 pontos de animação
– 50 veículos utilizados pela organização
– 6 postos de socorros + 1 posto de socorros/massagem 100 m depois da chegada.

CONCLUSÃO

Se é atleta de pelotão e pretende fazer uma maratona dita grande, não perca esta. Há alguns pormenores a ter em conta, como a data de inscrição (normalmente começam em Setembro e esgotam em 2 meses). Podem inscrever-se no site da prova (http://www.parismarathon.com) assim como acompanhar o nº. de vagas existentes, vídeos e fotos de edições anteriores, lista de inscritos, percurso, etc. É obrigatório um certificado médico, a ser enviado pelo correio ou entregue aquando do levantamento do dorsal na expo-maratona. Tenha em atenção ao alojamento e aos voos. A procura é muita e alguns lugares esgotam. Trate de tudo com bastante antecedência e não perca este momento inesquecível na sua vida de corredor.

CURIOSIDADES DA PREPARAÇÃO

Duração: 14 semanas
Quilómetros percorridos: 910
Nº. de treinos previstos: 70
Nº. de treinos cumpridos: 64 (91,4%)
Nº. de horas: 76
Locais: Porto, Matosinhos, e Vila Nova de Gaia
Equipamento: Sapatilhas Asics GT – 2130, relógio Garmin Forerunner 305.

VÍDEOS DAS MINHAS PASSAGENS

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AGRADECIMENTOS

– Geraldino Silva pela experiência acumulada que sempre partilhou comigo, pela companhia nas horas e horas de treinos e pela preciosa ajuda durante toda esta prova.
– Fernando Melo pelas massagens
– Filipa Vicente (nutricionista da revista Sport Life e de CorrerPorPrazer.Com) pelas preciosas dicas em termos de alimentação
– António Mesquita, João Fortuna, Armindo Gonçalves e Jorge Oliveira, pela forma organizada como fizemos os treinos longos das manhãs de domingo.
– A todos os que contribuíram para a campanha solidária “Correr por quem não o pode fazer”.

AGRADECIMENTOS ESPECIALISSIMOS

Ana, Gonçalo e Francisco. Nada disto teria sido possível sem a vossa ajuda. Mais uma vez vocês foram os grandes sacrificados pelas horas e horas de ausência minha. Mesmo assim, acompanharam-me sempre nesta minha caminhada, acompanhando-me também na viagem. Durante a prova, nos momentos de maior sofrimento, eu apenas queria pensar que vocês estavam no final à minha espera e eu só queria que esse momento chegasse depressa. Felizmente ele chegou e por muitos anos que eu viva, nunca me irei esquecer das vossas três caras de felicidade e orgulho, à frente do cenário de um arco que se dá pelo nome de triunfo. E que triunfo foi este…

Porto, Abril de 2009

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Vitor Dias
Vitor Dias
Autor e administrador deste site. Corredor desde 2007, completou 65 maratonas em 18 países. Cronista em Jornal Público e autor da rubrica Correr Por Prazer em Porto Canal. Site Oficial: www.vitordias.pt

58 COMENTÁRIOS

  1. Olá Nuno

    Foi sem dúvida um dia inesquecível que quero repetir noutros locais. O próximo será em Madrid, já daqui a 15 dias (25.Abr.2010).

    Boas corridas.

    Cumprimemtos

  2. Vi hoje, pela primeira vez, essa espectacular reportagem! Andei por aí Vinte Anos (no turismo)! Vi passar por aí muitos e bons Atletas Portugueses! Tal como o Joaquim Agostinho! Parabens pela proesa! Para a próxima, lá próximo da Praça da Cocorde, na rua que vai para a Ópera, há o restaurante “Chez Maxim’s”! Você merecia!…

  3. Empolga-me ler sobre seus treinos e provas. Sou do Brasil e tentarei minha 1ª maratona em NY, no dia 07/novembro. Você participará também desta?

  4. Olá Vanusa
    NY está nos meus planos mas não será este ano.
    Espero um dia vir a fazê-la.
    Bos treinos e boa sorte para a sua primeira maratona.
    Conte-nos depois como foi.

  5. Parabéns pela prova e pelo rico relato! Compartilhar experiências é virtude de pessoas nobres! Muito sucesso! Espero fazer esta prova ano que vem e seu depoimento foi muito importante!
    Um abraço do Brasil!

  6. Olá João

    Muito obrigado pelas suas palavras.

    Votos de boas corridas e de uma boa maratona na cidade luz.
    Que ela lhe dê tanto prazer como deu a mim.

    Cumprimentos

    Vitor Dias

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